quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Cólon irritável

Retirado de : http://csgois.web.interacesso.pt/MGFV001MASTER/textos/44/223_texto.html

"Introdução


O Síndroma do Intestino Irritável (SII) é uma perturbação funcional do Intestino. Caracteriza-se por sintomas crónicos e/ou recorrentes de dor abdominal associada a alterações do trânsito intestinal, na ausência de doença estrutural ou bioquímica. O SII é uma alteração biopsicossocial na qual três mecanismos principais interagem: factores psicológicos, alterações da motilidade intestinal e função sensitiva do intestino. Parecem existir diferenças quantitativas na reactividade motora e na sensibilidade visceral (hiperalgesia). É um distúrbio comum nas consultas diárias, englobando um conjunto de sintomas sem suporte orgânico e sem uma base fisiopatológica bem caracterizada, motivo pela qual esta patologia tem de ser identificada pelos sintomas. O diagnóstico é baseado na identificação de sintomas positivos consistentes com a doença e a exclusão, de uma forma custo efectiva, de outras condições clinicamente similares. A abordagem terapêutica, que não visa a cura, apoia-se numa boa relação médico/doente, evicção de agentes precipitantes, alterações dietéticas e no uso de fármacos para controlo de alguns sintomas nas formas mais graves. Nas formas mais graves é necessário uma abordagem multidisciplinar. O clínico geral está numa posição privilegiada na abordagem destes doentes, pois a sua prática assenta no modelo biopsicossocial. O médico deve dar particular relevo à relação médico-doente, assegurar o apoio psicossocial ao doente, ajudando-o a saber lidar com a doença. A continuidade de cuidados é orientada de uma forma global e mais para acções paliativas que curativas.

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O Problema na Prática Clínica

O SII é um dos mais frequentes distúrbios gastrointestinais na prática clínica diária e constitui provavelmente o diagnóstico mais comum nas consultas de gastrenterologia. Num grande estudo efectuado em Portugal, o SII encontra-se dentro dos 20 problemas de saúde mais comum nas consultas de Clínica Geral. Estima-se que cerca de 15 a 20% da população seja afectada, mas só cerca de 20% dos doentes é que procuram o médico. Isto significa que numa lista de 1500 utentes existem cerca de 200 a 300 pessoas com SII, embora apenas 40 a 60 pessoas consultem o médico por esta perturbação. O grupo etário atingido situa-se entre os 20 e os 55 anos, embora as crianças possam ser afectadas. Com o tempo, cerca de 30% das pessoas com sintomas de SII tornam-se assintomáticas. Embora a sua frequência diminua com a idade, a doença é comum nos idosos, a prevalência é semelhante em ambos os sexos; no entanto, nas sociedades ocidentais, são as mulheres que recorrem mais frequentemente à consulta. A morbilidade do SII reflecte-se na qualidade de vida relacionada com a saúde, incluindo alterações físicas e psicossociais. O absentismo ao trabalho, aumento da ansiedade, visitas repetidas ao médico, iatrogenia e custos elevados são problemas frequentes nestas perturbações. Ainda não há um entendimento completo dos mecanismos pelos quais os sintomas são gerados. Das várias teorias fisiopatológicas existentes, nenhuma tem um modelo convincente. Foram demonstradas alterações da motilidade intestinal e uma hiperalgesia visceral nos doentes com SII. Nestes doentes, os seus intestinos são mais visíveis à distensão, refeições, stress e a outras influências. O stress psicológico exacerba os sintomas gastrointestinais em todas as pessoas, mas em grau maior nos doentes com SII. De facto os doentes com SII apresentam mais alterações psicológicas (Stress psicológico, comportamento inadequado face à doença, distúrbios psiquiátricos) do que as pessoas saudáveis ou pessoas com SII que não procuram cuidados de saúde. Os factores psicológicos não são diagnósticos nem são a causa do SII, mas podem influenciar a forma como a doença é vivida. Frequentemente desencadeiam e exacerbam os sintomas da doença, influenciando a severidade com que os sintomas são percebidos e comunicados bem como a adaptação à doença. A identificação precoce dos factores psicológicos ajuda na abordagem terapêutica do doente. Desconhecida a causa da doença e sabendo da existência de alguns factores desencadeantes (alimentação/factores psicológicos) a fisiopatologia do SII apoia-se na existência de uma alteração da motilidade intestinal e/ou um aumento da sensibilidade visceral. Os sintomas têm, habitualmente, um início gradual na adolescência ou no início da idade adulta. Se o início se verifica abruptamente após os 40 anos dever-se-á suspeitar de outra patologia. O SII é uma condição crónica em que existem períodos assintomáticos que se intercalam com exacerbações dos sintomas. Os sintomas podem ser contínuos ou intermitentes mas estão presentes por um longo período antes do diagnóstico ser feito. Os sintomas identificados por Manning et al. em 1978 que ajudam a identificar o SII são a dor (desconforto) abdominal, um aumento da frequência das defecções com o início da dor, alteração da consistência das fezes (fezes moles) com o início da dor, distensão abdominal visível, emissão de muco e sensação de evacuação incompleta. A dor/desconforto abdominal é o achado mais importante desta síndroma. A dor abdominal, embora muito variável na localização e intensidade, é consistente em cada doente. Os doentes descrevem a sua dor utilizando termos como: «ferro em brasa», «opressão», «caimbra», «cólica», «dor surda». A dor localiza-se, habitualmente no abdómen inferior ou no quadrante inferior esquerdo. A dor não é severa ao ponto de despertar o doente à noite. Apresentações atípicas da dor abdominal podem ser confundidas com abdómen agudo; estes doentes têm mais probabilidade de ser submetidos a apendicectomia e outras cirurgias abdominais do que as pessoas não afectadas. Um aspecto importante é que a dor está associada com a defecação. A dor é aliviada pelas defecções e/ou a dor é seguida de alterações da frequência das defecções ou consistência das fezes (mais soltas). A dor abdominal é muitas vezes iniciada ou exacerbada pelas refeições e pelo stress. Após as refeições os doentes podem apresentar extrema urgência defecatória seguida por uma defecação «explosiva» e mais solta. Embora a defecação alivie o desconforto abdominal, esse alívio pode ser breve. A diminuição ou o aumento da frequência das defecções e a existência de fezes moles ou duras ou a sua alternância, são alterações (consistência e ritmo) do trânsito intestinal muito comuns. Pode existir um predomínio de obstipação, de diarreia ou alternância de ambas. Em alguns casos ocorre uma diarreia matinal, de pequeno volume, que não recorre durante o dia. A distensão abdominal é também comum. Esta tende a piorar durante o dia, o que torna alguns doentes intolerantes ao vestuário justo. A sensação de evacuação incompleta, após a defecação, com necessidade repetida de ir ao W.C. sem resultado, é também comum. Existem, com grande prevalência, sintomas extra-intestinais no SII. A polaquiúria, dispareunia, dismenorreia, disfunção sexual, cefaleias crónicas, lombalgia crónica, fibromialgia, dispepsia (25% dos casos) e dor torácica não cardíaca, fadiga, são alguns dos mais frequentes. Estes achados sugerem que o SII representa um distúrbio generalizado envolvendo múltiplos órgãos.

O exame físico é usualmente normal. No entanto um timpanismo abdominal à percussão e um aumento da sensibilidade na palpação abdominal, especialmente na região do cólon sigmóide, poderá ser encontrado.

Têm sido descritas algumas características em comum nos doentes que procuram o médico. Cerca de 60 a 70% são mulheres em idade fértil (idade média: 35 anos) que são muito atentas aos seus sintomas e hábitos intestinais. Acreditam que alterações mínimas nos seus hábitos intestinais são um sinal sério de doença gastrointestinal orgânica. Frequentemente queixam-se de um agravamento dos sintomas com a menstruação.

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Avaliação diagnóstica

Recomenda-se uma estratégia diagnóstica sequencial que inclui: uso de critérios diagnósticos baseados nos sintomas, exclusão conservadora de outras situações clínicas similares e tratamento sintomático inicial com reavaliação ao fim de algumas semanas. O exame físico, efectuado com o objectivo excluir outras doenças, transmite segurança ao doente. O facto de colocar as mãos no abdómen do doente acalma-o. Baseado no quadro clínico, foram criados por consenso internacional os critérios diagnósticos de Roma (Quadro I). Estes critérios constituem hoje em dia, a pedra basilar do diagnóstico e da investigação do SII. Permitem fazer o diagnóstico baseado na identificação positiva de sintomas, abandonando a tradicional ideia do diagnóstico de exclusão.


CRITÉRIOS MAJOR



Pelo menos 3 meses de sintomas contínuos ou recorrentes de Dor abdominal ou desconforto que é:

1. Aliviada com a defecação e/ou

2. Associada com uma alteração da frequência das dejecções, e/ou

3. Associada com uma alteração na consistência das fezes

Mais

CRITÉRIOS MINOR



Duas ou mais das seguintes situações em pelo menos 25% dos episódios ou dias:

1. Alteração da frequência * das dejecções , e/ou

2. Alteração da consistência das fezes (pastosas/duras ou soltas/ liquidas) , e/ou

3. Alteração da passagem das fezes(esforço, urgência, sensação de evacuação incompleta) , e/ou

4. Emissão de muco, e/ou

5. Distensão abdominal ou sensação de distensão



* alteração da frequência das dejecções é considerada (para fins de investigação), quando existam mais de 3 dejecções por dia ou menos de 3/ dejecções por semana.



Alterações do estado geral, perda de peso, febre, hemorragia intestinal, anemia, alterações recentes dos hábitos intestinais, dor que desperta o doente durante a noite, idade avançada do doente, massas abdominais palpáveis são sinais de alarme de possível doença orgânica, devendo por isso ser procurados em todos os doentes. Se existir suspeita de doença orgânica (Quadro II) devem ser feitas as investigações necessárias. O conhecimento dos hábitos dietéticos, de situações de intolerância à lactose, ingestão inadvertida de sorbitol e o uso de drogas (ex. laxantes) são importantes e deverão ser procurados.


Os exames subsidiários efectuados na visita inicial tem como objectivo a exclusão, de uma forma custo-efectiva, de outras condições com apresentações clínicas similares. O exame físico e os seguintes exames são recomendados a todos os doentes: hemograma, VS (particularmente nos doentes jovens), bioquímica do sangue e exame das fezes para pesquisa de sangue oculto, bactérias e parasitológico (c/ pesquisa de Giardia). Uma colonoscopia ou um clister opaco deverá ser pedido se o doente tem mais de 50 anos. Alguns autores propõem a realização a todos os doentes de sigmoidoscopia. Tendo em conta que o SII tem uma elevada prevalência na população, não parece ser uma medida com relação custo-benefício aceitável. Este exame deveria ser reservado para os doentes refractários à terapêutica, nos doentes que apresentem factores de risco para o cancro do cólon, nos doentes mais velhos ou se o quadro clínico é sugestivo de outras patologias. Eventualmente a sigmoidoscopia ou clister opaco poderá ser feito uma vez para incutir confiança aos doentes mais ansiosos ou com cancerofobia. Ao nível dos CSP, um clister opaco com duplo contraste poderá ser um exame a usar para excluir doença orgânica.

Após a colheita de uma história clínica, com abordagem global, e um exame físico, o diagnóstico deverá ser baseado nos critérios sintomatológicos. É importante procurar sintomas que sugiram outros diagnósticos. Os diagnósticos diferenciais (Quadro II) mais comuns que se colocam são as doenças infecciosas e parasitárias, as doenças inflamatórias (doença de Crohn; colite ulcerosa), síndromes dispépticos funcionais, neoplasias do cólon, diverticulose, deficiência de lactase, entre outras. Como já foi dito, o diagnóstico do SII é baseado na identificação de sintomas positivos da doença (Quadro I). Para o diagnóstico são necessários o critério major (dor abdominal associada a uma alteração da frequência e/ou consistência das defecções) e pelo menos 2 critérios minor (alterações dos hábitos intestinais, sensação de evacuação incompleta, urgência, muco nas fezes, distensão abdominal). Se existirem estes critérios, se o exame físico for normal, se não existirem sintomas ou sinais de alarme, se não existirem alterações nos exames subsidiários, o diagnóstico de SII deverá ser colocado em primeiro lugar, não devendo à partida serem feitas mais investigações. De facto, e baseado nestes sintomas, os critérios diagnósticos tem uma sensibilidade razoável (60%; 40% FN), tem uma boa especificidade (>= 90%; <= 10% FP) e um valor preditivo positivo de 80%; isto significa que um indivíduo que apresente os critérios diagnósticos de Roma tem uma grande probabilidade de ter a doença.

Um diagnóstico de certeza precoce e bem orientado, permite confirmar ao doente que a sua situação não é grave, incutindo confiança. Esta confiança é a arma terapêutica mais eficaz que o médico possui.

O tratamento poderá ser iniciado e o paciente deverá ser reavaliado dentro de dois meses. Se o tratamento é ineficaz ou se parece ser necessário mais estudos, outras investigações poderão ser efectuadas nessa altura e baseada nos sintomas predominantes. Alguns testes poderão necessitar de referenciar o doente para outros níveis de cuidados.

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Possibilidades de intervenção em MGF

Uma forte relação médico-doente é essencial para a abordagem terapêutica do SII. Uma atitude psicoterapêutica tranquilizadora, calma, securizante, a educação sobre a doença e tempo disponível para ouvir o doente são importantes aspectos terapêuticos. Com o diagnóstico efectuado e com os exames subsidiários normais, o médico está em posição de dar certezas ao doente. Esta confiança pode ser a arma terapêutica mais eficaz que o médico dispõe, e quando mais cedo a usar melhor. Deveremos explicar que estes sintomas são comuns, não acarretam qualquer risco de outra doença mas, que se trata de uma doença crónica para a qual não existe cura. Deveremos dizer que se trata de uma doença com causa não conhecida, tal como as cefaleias crónicas, que acreditamos nas suas queixas e que se pode fazer alguma coisa para aliviar os sintomas.

Na planificação do tratamento deverá fazer-se as seguintes perguntas: Porquê este doente veio procurar o médico agora? O que espera o doente do médico? As respostas a estas perguntas poderão ser um bom guia terapêutico. A severidade e o tipo de sintomas são importantes na decisão de procurar o médico, mas os aspectos psicológicos (motivos não expressos, normalmente) também afectam a decisão de procurar o médico.

Uma atenção cuidadosa e precoce aos aspectos psicossociais do doente é eficaz e trás benefícios duradouros, como o provam imensos estudos. A continuidade de cuidados vai beneficiar principalmente os doentes emocionalmente alterados, ajudando a dar confiança ao doente e a lidar com a doença, evitando o consumismo médico. Nesta continuidade de cuidados, se o clínico se apercebe que perdeu a confiança do doente, deverá referenciar a um colega que poderá ajudar, confirmando o diagnóstico e reforçado plano de abordagem. Deveremos envolver o doente no plano terapêutico e desencorajar o uso crónico de drogas sistémicas, cujos efeitos indesejáveis podem ser mais perturbadores que o próprio SII. Uma característica desta doença é a sua tendência a melhorar com placebo em cerca de 40 a 70% dos casos.

Não existe um fármaco universal e a melhor aproximação terapêutica reside na estratificação dos doentes, conforme a gravidade dos sintomas. Baseada na severidade e natureza dos sintomas, no grau de incapacidade funcional e na presença de factores psicossociais que afectam o curso da doença,, classificamos os doentes com SII em doentes com sintomas leves, moderados e graves.



Sintomas leves

A maior parte (70%) dos doentes com SII apresentam sintomas leves e pouca incapacidade. Os sintomas são normalmente intermitentes e estão habitualmente associados com acontecimentos fisiológicos (ex.: dor/diarreia que é pior depois das refeições, com o stress ou com as menstruações). São doentes que não procuram muitas vezes o médico, mantêm uma actividade diária normal, não apresentam alterações psicológicas importantes, apesar de estarem preocupados com os sintomas. Estes doentes respondem habitualmente a educação sobre a sua doença, na transmissão de confiança, em alterações dietéticas não necessitando habitualmente de medicação. Deve explicar-se ao doente a sua situação clínica, ajudá-lo a viver com ela, a compreender a exacerbação dos sintomas e quais os factores que para isso contribuem. Enfatizar que tanto os factores fisiológicos como psicológicos interagem produzindo sintomas, que é uma doença benigna mas crónica. Após esta explicação devemos averiguar quais as preocupações do doente e tentar esclarecê-las de modo a estabelecer uma relação de confiança. As modificações na dieta fazem parte de uma abordagem importante do SII. A identificação de substâncias que desencadeiam ou exacerbem os sintomas (como a lactose, cafeína, repolho, leguminosas, alimentos gordos, álcool ou medicamentos) e a sua eliminação da dieta pode melhorar os sintomas. Um período de 15 dias de uma dieta sem lactose poderá determinar se a intolerância à lactose é um factor subjacente no SII. O leite e os seus derivados devem ser evitados nos doentes com intolerância à lactose. Para a maior parte dos doentes, uma dieta rica em fibras e com baixo teor de gorduras é recomendada. A dieta rica em fibras inclui não só a ingestão de cereais ricos em fibra pela manhã e o aumento de ingestão de frutas e vegetais, mas também o uso de farelo ou psyllium (laxante de volume). Embora nem todos os estudos apoiem o uso de fibras, em muitos casos elas melhoram os sintomas, sendo por isso recomendado pela maioria dos autores. Uma dieta com um elevado teor de fibras é útil se os sintomas predominantes forem as alterações da função intestinal, especialmente obstipação. Não existem provas de que as fibras melhorem as dores abdominais; por vezes poderão agravar, numa fase inicial, os sintomas de dor e distensão abdominal. Uma vez que as fibras poderão desencadear alguns sintomas intestinais (gás, distensão) a sua introdução deve ser gradual. Deve iniciar-se com uma colher de chá até se atingir a dose de três colheres de sopa por dia. Como alternativa poderá utilizar-se 15 a 20 g/dia de psyllium. Nos doentes com obstipação deverá ser discutida a necessidade de refeições regulares e de uma ida diária (à mesma hora) ao wc de forma a treinar os seus hábitos intestinais.



Sintomas Moderados

Os doentes com sintomas moderados constituem cerca de 25% do total dos doentes com SII. Apresentam alguma incapacidade que poderá interferir um pouco com a sua actividade diária (ex.: falta ao trabalho), procurando mais vezes o médico. Os sintomas estão relacionados com acontecimentos fisiológicos (ex.: refeições) apresentando algumas alterações psicológicas. Para além das opções terapêuticas já discutidas, outras intervenções são recomendadas. De forma a transmitir um sentido de controlo sobre a doença, um diário de monitorização de sintomas durante 1 a 3 semanas poderá ser tentado. Desta forma poderão ser identificados inúmeras pistas (desencadeantes, resposta emocional, «stressores») importantes no tratamento. A farmacoterapia dirigida a sintomas específicos pode ser útil.

Uma meta-análise de 26 ensaios controlados revelou que os anti-espasmódicos (ex. mebeverina; trimebutine; brometo de pinavério) provocam uma melhoria significativa dos sintomas em 62% dos doentes tratados quando comparados com 35% que usaram placebos. Quando os sintomas tiverem melhorado deveremos interromper o tratamento com estes fármacos. Informar o doente que o SII é uma doença recidivante podendo, no futuro, necessitar de novos períodos de medicação. Para o tratamento da dor abdominal pós-prandial, os agentes anticolinérgicos como a diciclomina (10 a 20 mg) tomados antes das refeições pode ser usada. Um antimuscarínico (escopolamina) pode ser útil no alívio da dor. Os sintomas de diarreia podem ser tratados com loperamida (1 a 2 comprimidos quando necessário até 3 vezes ao dia) se não for possível identificar alimentos desencadeantes. Em alguns doentes, a colestiramina, que sequestra os ácidos biliares, é útil no controle da diarreia especialmente no subgrupo de doentes com colecistectomia ou com mal-absorção idiopática. Se a obstipação é o sintoma predominante, um aumento de ingestão de fibras (25 g/dia) é o tratamento padrão. Os laxantes osmóticos (lactose ou sorbitol) podem ser benéficos. Os laxantes devem ser usados em conjunto com as modificações dietéticas e de estilo de vida e só deverão ser considerados durante um curto período nas exacerbações. O uso crónico de laxantes deve ser desencorajado. O cisapride tem sido proposto para o controle da obstipação. A dieta tem um papel importante na produção de gás intestinal. Se a distensão abdominal (gás, flatulência) é o sintoma incomodativo, poderemos aconselhar os doentes a evitar alimentos que causam distensão gasosa tais como fibras, feijão, couves, lentilhas, nozes, castanhas, legumes etc. A administração de dimeticone, carvão activado e cisapride pode ser tentada. Se os sintomas, especialmente dor abdominal, são refractários à terapêutica, se tem um carácter mais severo e constante e estão associados a alterações psicológicas ou diminuição de qualidade de vida, os tratamentos psicológicos/ comportamentais devem ser considerados. Este tipo de tratamentos melhora a qualidade de vida do paciente. O médico deverá explicar que estes tratamentos ajudam os doentes a saber lidar com uma doença crónica e incomodativa.



Sintomas Severos

Apenas uma pequena (± 5%) percentagem de doentes com SII apresentam sintomas severos e refractários Este subgrupo de doentes refere dor constante, parcialmente relacionada com factores fisiológicos, afectando grandemente a sua actividade diária. Apresentam normalmente doença psiquiátrica de base e um comportamento inadequado face à doença, consultando inúmeras vezes o médico. Acreditam, seriamente, que tem uma doença grave e que o médico não sabe lidar com ela; insistem na realização de exames de diagnóstico de forma a chegar ao diagnóstico da sua doença e assim obter a cura. São incapazes de reconhecer a contribuição de factores psicológicos na sua doença, o que torna o prognóstico da doença mais pobre. São muitas vezes referenciados a gastrenterologistas e a outros níveis de cuidados, nomeadamente a um centro de tratamento da dor. Este grupo de doentes necessita de tratamento com antidepressivos e de uma abordagem psicológica. Nas abordagens psicológicas incluem-se psicoterapia, terapia cognitivo-comportamental, técnicas de relaxamento, hipnose e «biofeedback». Este tipo de tratamentos psicológicos parecem ser efectivos na redução da dor e diarreia, bem como na redução da ansiedade e outros sintomas psicológicos. Não existem dados comprovativos que permitem dizer o tipo de abordagem psicológica que é mais favorável, sendo necessário mais estudos para determinar a eficácia relativa dos tratamentos psicológicos nos vários subgrupos de doentes. De forma a aumentar a motivação do doente para os tratamentos psicológicos, o médico deverá explicar que o profissional de saúde mental faz parte de equipa de tratamentos das unidades globais ao doente. Desta forma se evita a ideia, muitas vezes mal aceite pelo doente, que a sua doença tem uma origem psiquiátrica. Os antidepressivos revelam-se úteis neste subgrupo de doentes, sendo usados para a analgesia central. Estes fármacos são úteis no tratamento da dor severa ou refractária e na melhoria da sua actividade diária. Os antidepressivos aliviam a dor abdominal, crónica e severa, via analgesia central (propriedades neuromodulatórias), pelo seu efeito anticolinérgico a nível intestinal e pelo alívio da depressão. Os seus efeitos analgésicos são independentes dos seus efeitos antidepressivos, conseguindo-se obter analgesia de uma forma mais rápida, e em doses mais baixas, do que quando estas drogas são usadas para o tratamento da depressão. Os antidepressivos tricíclicos (ex.: amitriptilina e a doxepina) tem sido as mais estudadas e usadas, sendo o tratamento, numa dose individualizada, instituído durante 4 a 6 semanas; se eficaz, deverá ser continuado durante 6 a 12 meses. Ultimamente tem-se tentado os antidepressivos IRSS (ex.: fluoxetina, paroxetina; sertralina) devido à sua maior segurança e menor incidência de efeitos colaterais. A sua eficácia ainda não está completamente determinada. Os ansiolíticos não são recomendados, embora possam ser usados de forma pontual para tratar breves episódios ansiosos.

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Erros e Limitações

Foram já apontados, ao longo do texto, alguns erros comuns na abordagem deste tipo de doentes:

A insegurança diagnóstica é um inimigo na abordagem do SII. Um diagnóstico precoce, baseado nos sintomas positivos, permite que os exames subsidiários sejam mínimos evitando o «síndroma do envelope grosso» e iatrogenia.

Provavelmente alguns doentes com SII não preenchem os critérios diagnósticos de Roma.

A identificação dos sinais e sintomas de alarme de doença estrutural devem ser uma preocupação do médico.

Os objectivos do tratamento devem ser realistas. O SII é uma doença crónica. A cura dos sintomas somáticos é a excepção; a melhoria da funcionalidade do doente deverá ser o objectivo.

Em relação ao seu mecanismo fisiopatológico, as dúvidas mantém-se. Será que o SII é uma entidade em que uma motilidade intestinal anormal é normalmente percepcionada ou será que a motilidade intestinal normal é anormalmente percepcionada? Talvez exista uma falência dos mecanismos de controlo central neuro-endócrino, responsáveis pela motilidade e pelas sensações intestinais que ainda não conhecemos completamente. Por este motivo não há nenhum fármaco universal para o controlo do SII, embora decorram investigações.

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Pontos Práticos a Reter

O SII é uma doença funcional do intestino na qual a dor abdominal está associada com a defecação ou alteração dos hábitos intestinais e com distensão abdominal. O SII é uma combinação de sintomas gastrointestinais, crónicos ou recorrentes, não explicada por alterações bioquímicas ou estruturais. A dor abdominal e as alterações dos hábitos intestinais (consistência/ritmo, outras) e/a distensão abdominal são atribuídas aos intestinos. SII é uma perturbação comum na prática clínica diária. A sua fisiopatologia não é completamente conhecida. A identificação de factores precipitantes e de factores psicológicos deverão fazer parte da abordagem global do doente. Embora os factores psicológicos não tenham valor diagnóstico do SII, a sua identificação ajuda na planificação do tratamento psicológico ou psicofarmacológico. O diagnóstico é baseado na identificação de sintomas positivos consistentes com SII, e na exclusão de uma forma custo-efectiva de outras condições com apresentações clínica similares. Uma forte relação médico doente, tão vital ou mais do que qualquer medicação, melhora a capacidade do doente lidar com a doença. É importante que o diagnóstico seja dado de uma forma positiva e que o doente e a sua doença sejam levados a sério. Não existe nenhum tratamento medicamentoso curativo a longo prazo. A intervenção medicamentosa deverá ser sintomática e de curta duração na maior parte dos casos. A estratégia terapêutica é baseada na natureza e severidade dos sintomas, no grau de incapacidade funcional e na presença de factores psicossociais adversos. A todos os doentes deverá ser estabelecida uma boa relação terapêutica, educação sobre a sua doença, alterações dietéticas e de estilo de vida quando necessário."

5 comentários:

  1. NA VERDADE E UMA DOENÇA QUE VAI MATANDO AOS POUCOS,POIS VOCE NAO CONSEGUE TER UMA VIDA NORMAL, E QUANDO NAO SE TEM DIARREIA TEM MUITOS GASES,SUA BARRIGA FICA INCHADA E DORES INTESTINAIS HORRIVEIS,SENSAÇAO DE NAO TEM EVACUADO POR COMPLETO ,FEZES DESBITOLADAS,DORES DE CABEÇA TERRIVEIS,APOS AS REFEIÇOES VOCE CORRE O RISCO DE ELIMINAR GASES E TER QUE ESTAR DE FRALDA ,POIS VOCE NAO CONSEGUE SABER .
    OLHA E MUITO TERRIVEL POIS AOS POUCOS SEU SISTEMA NERVOSO FICA DESTRUIDO, VIVER NA SOCIEDADE FICA IMPOSSIVEL,VIAJAR,FREQUETAR JANTARES VOCE PODE TER UMA ESPERANÇA ENTRAR NUMA DEPRESSAO PROFUNDA , E A MEDICINA TRATA COMO SE FOSSE UMA SINDROME QUE FAZENDO TRATAMENTOS MELHORA.JA TOMEI MONTES DE REMEDIOS GASTEI UMA BOA GRANA EM GASTROS,COLONOSCOPIA E OUTROS.

    PENSO QUE A SII TINHA QUE SER LEVADO MAIS A SERIO PELA MEDICINA POIS E UMA DOENÇA QUE LEVA A MORTE O PACIENTE.

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  2. Por isso é que é muito importante sermos acompanhados por um bom médico especialista...
    Depois de diagnosticada a doença a primeira coisa que meu médico me receitou foi um ansiólitico muito levezinho para controlar a ansiedade e sistema nervoso, para além de um medicamento para controlar a mobilidade intestinal...Hoje em dia apenas tomo o do intestino e o calmante só em situações de grande stress... Sinto-me muito melhor....
    Mas tive que alterar totalmente a minha alimentação e rotinas para evitar a ansiedade...
    É uma luta constante e as alterações são imensas...Mas com força e com ajuda de todos os nossos amigos tudo fica mais fácil, por isso é que digo sempre que quem tem este problema deve partilhá-lo com as pessoas mais próximas para que todos nos compreendam e aceitem as nossas limitações...

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  3. Há mais de 2 anos não sei realmente o qu eé viver! Tenho SII e descobri há 2 semanas depois de vários exames e remédios caros. Eu tento levar normalmente a vida mas as pessoas que vivem ao meu redor ficam nervosas e acabam me deixando nervosa também. Há dias em que não sinto fome e nem vontade de comer, e por sentir dor após as refeições, não me animo nem em tentar comer. Isso preocupa os meus familiares que não conseguem aceitar. Há dias em que penso em desistir de tudo, só não desisto porque sei que minha família está do meu lado esperando mais de mim! Tinha tudo para ter passado no vestibular ano passado, porém faltei muitas aulas na escola por sentir muita dor e acabei repetindo de ano! O SII complicou muito a minha vida mas ainda levo a doença com bom ânimo!

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  4. Obrigada Roberta pelo testemunho.
    É realmente é uma doença chata p'ra caramba...
    Mas temos que descontrair e levar a vida com calma e sem stress...
    A dor que sentes ao fim das refeições pode ser provocada por algum alimento que sejas intolerante ou que seja muito agressivo para ti. Eu sentia essa dor quando tomava leite, ou quando comia certos alimentos como tomate, beringela, milho, natas, etc...
    Tenta relaxar (praticar natação a mim ajudou-me), controlar os alimentos, e comer de duas em duas horas pouquinho de cada vez, é segredo para não sentir dores. Controlo alimentar, comer pouco de cada vez várias vezes ao dia e viver calmamente, é equilibrio. Boa sorte e vai-nos contando as tuas melhoras.

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  5. sofro com a doença a mais de dois anos só agora depois de uns três meses descobri que eu tenho a sindromi do intestino irritável tenho muito retenção de gases , eu acabo de comer e a minha barriga cresce na hora parece que estou gravida de uns quatro meses sofro muito com isso tomo pantoprazol e trimibutina quando tomava quatro por dia me sentia super bem agora o medico tirou meus remédios só estou tomando pantoprazol agora mas estou me sentindo mau novamente já não sei mais o que fazere também cortei vários alimentos e mesmo assim não melhoro

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